Foi sonhando acordado que Lassine Doumbai conquistou a atenção e o afeto de brasileiros e africanos
Nascido em uma vila esquecida pelos Deuses, no país de Mali, na África, Lassine Doumbai é um negro de riso fácil. A simpatia é notável mesmo falando por telefone, e a clareza com que expõe uma vida inteira é digna de um orador profissional. Mas talvez o que mais impressione na história de Lassine seja a sua misão. Quando perguntado qual seria o título que daria a sua vida deixa claro que não veio ao mundo para ser apenas mais um. “O que me faz um humanitário”, essa é a vontade e a sina dele que escreve com as próprias mãos o seu destino.
Em 1950, a vila onde Lassine nasceu, chamada Pumqoungodiem, não tinha eletricidade ou água encanada. O banheiro era a árvore mais próxima e as crianças brincavam descalças nas ruas. Assim como nesse vilarejo, tantos outros com algumas centenas de habitantes sem escola, médicos ou atenção, se alastram pela África. Essas tribos podem ter mudado de nome, tamanho ou região, no entanto, mesmo passado mais de meio século depois do nascimento de Lassine, a realidade miserável continua igual. Continua lá.
O preconceito não é privilégio da África do Sul. Em Mali, apenas as crianças ricas ou filhas de militares podiam freqüentar as salas de aula. Lassine diz que “da mesma forma que o comércio, hospital e clubes ficavam na cidade, a escola também tinha sede lá. A distância decidia quem podia estudar. Isso porque somente as famílias bem de vida moravam na cidade, e claro, eram os filhos dessas casas que enchiam as salas de aula”. Porém, o africano que na época ainda era uma criança não desistiria tão fácil. O jeito foi caminhar dia a dia 15 quilômetros até chegar à escola, da vila para a cidade, da cidade para a vila. Quando ganhou uma bicicleta para agilizar as idas e vindas, decidiu que carregaria consigo seus dois irmãos mais novos. Pena que estudaram por menos de dois anos. Por que? Pergunte a minha família”.
Depois do colégio veio a vontade de cursar uma faculdade. Dumbai penou, mas conseguiu uma bolsa para ingressar na universidade de Mali. Começou a trabalhar como jardineiro na casa de um diplomata francês. Da amizade que nasceu entre os dois, a indicação feita pelo patrão fez com que o africano finalmente conseguisse o seu lugar na faculdade de contabilidade. Graças aos contatos que tinha com gente rica e influente, Lassine viajou para Londres, Estados Unidos, Holanda e França como representante comercial.
“Falo inglês, francês, o dialeto de Pumqoungodiem e posso arriscar o português. Aprendi tudo isso viajando. O Brasil cruzou meu caminho em 2001, para aperfeiçoar o meu tae kwon do e sem mais, eu me achei nesse lugar. Um dos professores da academia que freqüentava no bairro do morumbi dava aulas para crianças na favela de Paraisópolis e um dia fui com ele. Aquilo fez com que voltasse para a minha infância. O Brasil é como a África em tudo: os ricos, são ricos demais e os pobres... ah os pobres vivem como eu vivi e como ainda vivem os que estão por lá, sem nada e a mercê das vontades alheias. ”
Enquanto o Brasil, seu povo e sua cultura ficavam mais presentes na vida do africano, ele ficou sabendo da doença do pai. Em 2004, Lassine teve de largar o projeto que havia começado com a paulistana Cristina Peres – AfricaBrasil, um intercâmbio entre a arte africana e brasileira – para rever quem precisava dele. Dias depois o pai morreu, e o próximo passo de Lassine foi construir um centro médico no vilarejo em que nasceu. A dificuldade de visitar um médico foi a responsável pela morte do pai e isso, se dependesse de Lassine, não iria mais acontecer. Hoje, o centro de saúde está espalhado por dezenas de vilas em Mali, o que ainda é pouco se levado em conta a necessidade dessas pequenas comunidades.
Para mim não existe a frase: é errando que se aprende. Nós só entendemos e evoluímos quando queremos acertar, quando se pensou muito antes de agir, quando erramos faltando muito pouco para acertar”. De que adianta o mundo dizer que está ao lado da África com relação à miséria, à Aids, ao preconceito se isso não sai do plano teórico. Se alguém realmente quisesse ajudar, alguma coisa maior já teria acontecido, porque não é possível errar tanto e nunca aprender. O povo africano precisa de pequenas ações, assim como a que eu fiz. Hoje, eu ajudo daqui de Washington DC, nos Estados Unidos (onde mora com a esposa e dois filhos). Trabalho para o governo norte-americano e consigo falar com pessoas que podem fazer alguma coisa pelo meu país, pelo meu povo. Aos seis anos Lassine descobriu que o futuro da África também poderia estar em suas mãos. Isso aconteceu quando sua mãe o levou para conversar com uma vidente cega da tribo sobre um sonho que ele havia visto dormindo. Naquele dia a vidente disse: ‘suas visões têm um poder maior que imagina menino. Não tire seus sonhos da cabeça porque são eles que vão guiar o seu caminho’. Hoje, eu sei que esse futuro de conquistas e desafios, não é apenas meu mas da África também”.
UniFiamFaam - março de 2007
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